Filme mostra ligação entre a pecuária e o desmatamento na Amazônia
Filme mostra ligação entre a pecuária e o desmatamento na Amazônia. Novo documentário do diretor Marcio Isensee e Sá,” Sob a pata do Boi ” alerta o público para o fato de que aproximadamente um quinto da Amazônia já foi derrubada e afirma que quase 80% desse desmatamento é atribuído à pecuária.
Por Anna Sophie Gross/Mongabay
O filme traça a história da invasão da Amazônia por fazendeiros empreendedores e examina a responsabilidade de todos os principais atores dentro desta cadeia de fornecimento, incluindo pecuaristas, abatedouros e governo.
Ao longo do documentário, os fazendeiros amazônicos que operam em pontos críticos do desmatamento, apresentam um tema recorrente: o sentimento de impunidade que foge das restrições governamentais no uso da terra e impõe multas ambientais.
Segundo analistas, a avalanche de leis pelos fazendeiros é amplamente facilitada pela bancada ruralista, o lobby do agronegócio que tem uma grande influência na política brasileira – essa poderosa bancada inclui quase metade de todos os deputados na câmara do Congresso, domina a formulação de políticas na administração de Temer, e freqüentemente favorece os interesses dos fazendeiros.
Talvez na revelação mais explosiva do filme, que documenta esse casamento entre o agronegócio e a política, seja a do ex-ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, quando diz aos cineastas que ele tem conhecimento antecipado da operação Carne Fria , que ocorreu em março de 2017, e viu grandes empresas de processamento de carne serem penalizadas por desmatamento ocorrendo dentro de sua cadeia de fornecimento.
Esta entrevista aconteceu poucos dias antes de Sarney Filho lançar um vídeo dirigido a importantes atores do setor agrícola, desculpando-se pela inoportuna natureza da operação da policia federal e alegando que ele não havia sido avisado com antecedência pela agência ambiental brasileira de que a operação iria ocorrer.
Pecuária é ligada ao
desmatamento
há muito tempo
O documentário fornece um histórico considerável sobre como a pecuária originou o desmatamento da Amazônia.
“A vaca é o pior problema ambiental da Amazônia
e do mundo”, diz Paulo Adario, do Greenpeace
Usando entrevistas e imagens de arquivo, Sá mostra como o governo brasileiro começou a incentivar a ocupação da então inexplorada Amazônia por empreendedores e pecuaristas nos anos 60, procurando colonizar a terra antes que os estrangeiros o fizessem.
Estradas financiadas nacionalmente foram cortadas através da floresta tropical ao longo da década de 1970, e os possíveis fazendeiros foram encorajados a transformar terras públicas em pastagens.
O incentivo: se os fazendeiros não desmatassem pelo menos 50% da propriedade em que estavam trabalhando, não receberiam o título de propriedade do governo.
Muitas vezes, o corte de árvores era realizado por trabalho manual, trabalhando em condições análogas à escravidão. Em um dos trechos , um fazendeiro conta como ele e um vizinho coagiram 200 homens a derrubar árvores em suas terras em 1994.
“Alugamos um grande galpão, contratamos e montamos uma cozinha lá dentro e demos muita cachaça para esses homens. Fomos a todos os bordéis, hotéis e pagamos suas contas. Os Levamos para dentro do galpão. Enquanto dois homens armados ficaram na porta da frente, dois ficavam na parte de trás, para que ninguém pudesse fugir. Meio que detido ali contra a vontade deles, certo?
Nós não deixávamos que eles saíssem.
Ele conta como a polícia apoiou a operação, marchando os homens capturados em fila única do barraco até uma balsa para que eles não pudessem escapar. Ao aterrissar, eles foram forçados a marchar por 15 quilômetros de floresta e receberam ordens para começar a derrubar árvores.
“Isso foi trabalho forçado?” Ele pergunta, rindo. “Talvez fosse, mas realmente não havia alternativa. Essa era a realidade daquele mundo.”
Não foi até a década de 1990, quando ONGs ambientalistas ficaram sabendo das taxas alarmantes de desmatamento ocorrendo na Amazônia.
Em 2004, a notícia de que uma área florestal havia sido perdida, equivalente em tamanho à Bélgica, resultou em pressão internacional sendo colocada uma restrição para não comprar carne de fazendeiros que haviam desmatado ilegalmente a Amazonia.
Em 2009, os três principais frigoríficos brasileiros que operam na Amazônia – JBS, Marfrig e Minerva – assinaram acordos de desmatamento zero com o Greenpeace e o governo brasileiro, no qual prometeram comprar apenas gado de fazendeiros que estavam dentro da lei.
Lavagem de gado
De acordo com o Código Florestal Brasileiro, os proprietários de terras na Amazônia só podem legalmente cultivar 20% de suas propriedades; o resto deve ser preservado como vegetação nativa.
No entanto, no contexto histórico de apoio governamental ao desmatamento, juntamente com a atual clemência oficial em relação à aplicação da lei, muitos fazendeiros permanecem relutantes em cumprir o código florestal, vendo pouco benefício para eles, e buscando brechas pelas quais possam transformar suas terras de floresta não lucrativas para pastagens lucrativas.
Muitos entrevistados no filme são notavelmente sinceros em relação ao seu interesse próprio. Um fazendeiro explica que é simplesmente muito mais lucrativo criar gado em terra na Amazônia do que produzir qualquer outra coisa:
“Eu nunca vou parar de criar gado. Nunca.
Enquanto eu ainda estiver piscando com minhas pálpebras,
eu” vou continuar lutando “, diz ele.
Esse homem alega que seus colegas fazendeiros acham maneiras de continuar vendendo gado ilegalmente para os matadouros, mesmo depois de serem pegos pelo desmatamento.
Uma técnica: continuar engordando gado em terras desflorestadas ilegalmente, depois transferir o gado para o pasto legalmente limpo de um amigo poucos dias antes de os animais irem para o matadouro, ocultando sua verdadeira origem.
Ou os fazendeiros podem falsificar registros, colocando partes da terra que possuem e pastam sob os nomes de outros membros da família. Essas técnicas são conhecidas coletivamente como “lavagem de gado” e são abundantes na Amazônia brasileira, dizem especialistas.
Uma pesquisa recente, publicada em janeiro deste ano, corrobora as histórias contadas no filme, oferecendo evidências de que os acordos de gado com desmatamento zero feitos com abatedouros estão tendo pouco ou nenhum efeito sobre o comportamento dos fazendeiros.
Os pesquisadores cruzaram dados compilados sobre as localizações das vacinações de gado, e descobriram que centenas de milhares de cabeças de gado continuam a pastar em áreas no sudoeste do Pará que deveriam ser excluídas da cadeia de fornecimento de carne bovina, de acordo com os termos dos acordos de abate de gado.
Um problema fundamental:
a falta de transparência na cadeia
de fornecimento de
carne bovina do país.
As principais empresas de carnes no Brasil operam através de uma cadeia de suprimentos complexa; os pecuaristas estão constantemente comprando, vendendo e revendendo gado, movendo-os de fazenda em fazenda, o que torna extremamente difícil determinar a origem de cada cabeça de gado.
Embora as empresas de carnes JBS, Marfrig e Minerva tenham conseguido uma boa supervisão de seus fornecedores diretos, elas têm pouco ou nenhum discernimento sobre seus fornecedores indiretos – e isso, dizem os especialistas, é onde ocorre a grande maioria da lavagem de gado.
Carne Sustentável Oferece
Esperança Para Florestas
Nem todas as notícias são ruins para as florestas. O documentário tem um tom esperançoso quando se concentra na pecuária sustentável, praticada por alguns proprietários de terras da Amazônia.
Um entrevistado descreve como ele faz pastagens em terras já degradadas por 14 vezes e se tornam mais eficientes do que as obtidas por outros fazendeiros:
ele divide suas terras em quadrantes,
planta muita grama em todos os lugares
e depois gira seu gado de
um gramado para outro.
“Queríamos incluir pessoas no documentário que são mais progressistas e estão tentando fazer a coisa certa”, explicou Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon que trabalhou no documentário. “Nós sabíamos que essas pessoas existiam e é bom tê-las dizendo em suas próprias palavras que não precisamos desmatar mais.”
O desafio enfrentado pelos ambientalistas: como ampliar essas técnicas de pecuária sustentável raramente praticadas.
“Esses métodos são bastante diretos. No entanto, eles exigem um pouco de habilidade e muito investimento para o trabalho, que são as duas condições raramente encontradas pelos agricultores da Amazônia”, disse Eduardo Pegurier, professor da Universidade PUC no Rio de Janeiro.
A frouxidão do governo em relação ao desmatamento causado por gado e o fato de o estado não oferecer incentivos para encorajar a pecuária sustentável são parcialmente culpados.
Atualmente, existem poucas iniciativas promissoras destinadas a melhorar a produtividade das pastagens e a monitorar com precisão o desmatamento que ocorre ao longo da cadeia de fornecimento direta e indireta, levada aos matadouros.
Um programa de sustentabilidade existente é executado pela Pecsa, uma empresa de manejo de fazendas localizada no estado de Mato Grosso que ajuda os agricultores a transformar terras altamente degradadas em pastagens produtivas, reduzindo assim o novo desmatamento.
A Pecsa assume as fazendas entre seis e oito anos e tem um histórico de tornar as propriedades que supervisiona aproximadamente sete vezes mais produtivas, ao mesmo tempo em que acompanha os fornecedores diretos e diretos de gado. A empresa, que atualmente administra 10.000 hectares (25.000 acres), recebe financiamento externo do Fundo Europeu de Investimentos, o que significa que os fazendeiros contratados não pagam nada pelo serviço.
“Pretendemos expandir em nossa região no Mato Grosso”, disse o criador da empresa, Laurent Micol. “Quando atingirmos uma escala adequada, estaremos prontos para replicá-lo em outros lugares da Amazônia.”
No entanto, Barrreto adverte, o sucesso de tais esquemas de sustentabilidade depende fortemente de uma resposta rápida do mercado. Atualmente, o desmatamento da Amazônia é muito lucrativo para pecuaristas, e isso precisa mudar se a pecuária sustentável tiver chance.
Muitos argumentam que, para cortar a ligação entre o desmatamento e o gado, o governo precisa colocar os prejuízos do desmatamento em pauta.
Os fazendeiros devem enfrentar multas estancias ou penas de prisão por violar a lei e serem impedidos de fornecer para o mercado nacional e global quando desmatarem.
Barreto acredita que a atual falta de capacidade de fiscalização do governo e sua relutância em punir severamente infratores ambientais indicam a necessidade de uma nova abordagem.
Os produtores internacionais e nacionais de carne bovina, diz ele, devem impor regras estritas sobre quem os frigoríficos estão comprando e quem os estão financiando.
Colocar mais pressão
estatal sobre
os matadouros
Muitos ativistas ambientais advogam pela aplicação de maior pressão legal sobre os abatedouros que compram carne bovina de dentro da Amazônia Legal.
Eles observam que apenas 110 frigoríficos são responsáveis pelo processamento de 93% de todo o gado na Amazônia Brasileira. Com a pressão do Estado, a transparência da cadeia de suprimentos poderia ser aumentada entre esses processadores de carne, permitindo-lhes rastrear toda a carne que compram, incluindo a vinda de fornecedores indiretos, a fonte da maior parte do desmatamento.
No momento, nenhum dos três principais frigoríficos possui esses programas de monitoramento.
Barreto enfatizou o papel crítico que as Procuradorias Federais independentes do Brasil poderiam desempenhar na investigação de matadouros e responsabilizá-los por não monitorar suas cadeias de fornecimento. De fato, muitos promotores federais da Amazônia recentemente solicitaram aos frigoríficos que submetam auditorias aos fornecedores.
O estado do Pará se tornou o primeiro a divulgar esse tipo de dados detalhados no mês passado. As empresas de frigoríficos foram solicitadas a responder às perguntas relativas ao gado que compraram em 2016 e, de acordo com os dados, mais de 146.000 cabeças de gado foram adquiridas em terras desmatadas.
A JBS apresentou pior desempenho em comparação a outras empresas auditadas. A empresa respondia por 84.420 cabeças de gado, 57% da pecuária que vinha de áreas desmatadas ilegalmente naquele ano, e recebeu uma pontuação de não conformidade de 19%.
A empresa MasterBoi levantou a segunda maior contagem de gado em terras desmatadas, com 28.231 cabeças, com Frigol a terceira maior com 8.290 cabeças e a Aliança com a quarta maior com 7.530 cabeças.
No que é considerado uma resposta decepcionante dos ambientalistas, o Ministério Público Federal no Pará optou por não adotar sanções contra os frigoríficos que tiveram desempenho ruim nas auditorias de desmatamento de gado.
De acordo com o procurador-geral Daniel Azeredo, que está no comando dos acordos de desmatamento zero desde 2009, cabe agora ao mercado premiar as empresas com os melhores resultados de auditoria, algo que poucos especialistas esperam que aconteça.
O Ministério Público do Mato Grosso ainda não divulgou os resultados das auditorias de gado / desmatamento que recebeu dos abatedouros. O procurador-geral do Mato Grosso disse que nenhuma data para a divulgação desses dados foi definida, porque os promotores não conseguiram superar as políticas de proteção de dados dos frigoríficos.
Um dos produtores de gado entrevistados resumiu a situação atual: “A lei é fraca, não pune ninguém”.
Por enquanto, com o governo não empregando ativamente nem vara nem cenoura, parece que pouco acontecerá para mudar o status quo ou acabar com o desmatamento ilegal devido à pecuária na Amazônia.
É concebível, embora os analistas digam improvável, que a situação possa mudar com as eleições brasileiras de outubro.
Seguindo o dinheiro
Barreto acredita que há outras coisas que poderiam ser feitas para resolver o problema além de penalizar quem compra gado engordado em terras recém-desmatadas.
Os bancos têm sido historicamente grandes financiadores de grandes conglomerados de processamento de carnes no Brasil, e essas instituições financeiras poderiam exercer pressão sobre os abatedouros com conexões conhecidas com o desmatamento ilegal dentro de suas cadeias de fornecimento.
Por exemplo, o gigantesco banco nacional de desenvolvimento do Brasil, o BNDES, tem uma participação de 21 por cento na JBS e, portanto, poderia pressionar economicamente o frigorífico.
Na verdade, o Norwegian Oil Fund, administrado pelo governo, que investiu US $ 144 mil na JBS, foi alvo de críticas no início deste mês por não ter questionado o desmatamento comprovado na cadeia de fornecimento da empresa de frigoríficos.
Talvez tão importante quanto isso, o público precise estar ciente da extensão alarmante da destruição da floresta tropical que está ocorrendo nas mãos da indústria do gado.
É onde entra o ” Sob a pata do Boi ” , um filme produzido pelo (O)) eco e Imazon, e patrocinado pela Fundação Gordon e Betty Moore e pela Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento (Norad).
Ele oferece uma visão inestimável sobre os danos ambientais causados pelos fazendeiros e fornece um modelo para uma alternativa sustentável e economicamente lucrativa.
A última solução prática é clara: pesquisadores acadêmicos e ambientalistas concordam que já existe uma grande quantidade de terras degradadas na Amazônia que poderiam ser aproveitadas de maneira rentável pelos pecuaristas; simplesmente não há necessidade de desmatar mais.
Tudo o que é necessário é a vontade, as sanções e os incentivos de mercado, para trazer mudanças positivas à existência.
Assista o Trailler
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O pior problema do desmatamento não é o boi ou a vaca, é a patologia humana.
O “pecuarista”, “empresário”, o ser humano doente, inconsequente, ocupado em como enriquecer ilicitamente e cuspindo no resto do mundo.
O “consumidor” que não faz sua parte responsável que tb quer se satisfazer sem responsabilidade.