Secas na Amazônia Podem ser Previstas com Antecedência
Secas na Amazônia Podem ser Previstas com Antecedência. Pela primeira vez, pesquisadores desenvolveram um modelo capaz de antecipar os períodos de estiagem na Amazônia com até 18 meses de antecedência.
O estudo foi realizado por cientistas do Instituto Potsdam de Pesquisa de Impacto Climático (PIK), na Alemanha, como parte do projeto Pontos de Virada no Sistema Terrestre (TiPES), liderado pelo físico Catrin Ciemer e publicado na revista Environmental Research Letters .
O modelo foi desenvolvido com base na análise da temperatura superficial do Oceano Atlântico. A relação entre a umidade dos oceanos e o regime de chuvas na Amazônia faz parte do funcionamento intrínseco dos biomas.
Qualquer variação de temperatura,
em decorrência do aquecimento global,
é suficiente para desencadear
uma série de consequências.
Segundo o físico e coautor do estudo Niklas Boers, o sistema de alerta desenvolvido pelo grupo baseia-se em um mecanismo muito simples: “Descobrimos que a cada dois anos as temperaturas da superfície do Atlântico tropical norte e sul desenvolvem um dipolo, um fenômeno que ocorre quando as temperaturas aumentam em uma região e diminuem em outra. ”
O alerta de previsão de seca é emitido quando esse padrão começa a se desenvolver. “O dipolo modifica a direção dos ventos alísios, que levam a umidade do Oceano Atlântico para a América do Sul. Essa mudança de direção é responsável por causar secas principalmente no centro-sul da Amazônia”, disse Boers.
A partir do modelo que desenvolveram, os pesquisadores foram capazes de rastrear seis dos sete principais eventos de seca que ocorreram na Amazônia desde os anos 1980.
Carlos Nobre, um renomado cientista do clima brasileiro que não esteve envolvido no estudo, disse que o aquecimento global está tornando o ciclo norte de águas mais quentes mais forte e mais presente. No futuro, disse ele, devemos esperar que o sul da Amazônia se torne menos úmido. “As megassecas de 2005, 2010 e a em curso estão diretamente associadas ao aumento das temperaturas no Oceano Atlântico Norte tropical”, disse Nobre.
“Porém, ao contrário dos anos anteriores, a mega seca atual começou nos meses de maio e junho, não atrapalhando as chuvas do verão. É muito cedo para dizer que as águas mais quentes vão continuar ao longo dos meses e se vão causar uma continuação seca até a próxima estação chuvosa. ”
Em um contexto de aquecimento global, há uma estreita ligação entre o aumento da temperatura dos oceanos e o equilíbrio ambiental, e as repercussões são sentidas no fundo da floresta: o que acontece em alto mar pode impactar a vida na Amazônia.
Janaína Bumbeer, oceanógrafa e analista de ciência e conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, disse que não basta entender um único aspecto da ecologia – é preciso entender os fenômenos de forma sistêmica. “A relação entre a temperatura do oceano, o clima e os ventos é muito delicada”, disse Bumbeer, que não participou do novo estudo. “Qualquer aumento de 1 ° Celsius [1,8 ° Fahrenheit] afeta o regime de chuvas no continente.” Quanto maior a frequência de anomalias nos mares, disse ela, mais recorrentes são os eventos climáticos extremos.
Diante dos efeitos das mudanças climáticas, existe o risco de o Hemisfério Norte esquentar mais rápido que o Sul, o que estimularia a ocorrência do dipolo atlântico e levaria a uma frequência mais intensa de secas na Amazônia.
Mesmo com a possibilidade de prever um período de estiagem na região, pouco há a ser feito para de fato mitigar os impactos diretos na floresta.
Pessoas que vivem na Amazônia, principalmente agricultores, comunidades tradicionais, povos indígenas e aqueles que dependem do transporte fluvial para se locomover (o nível das águas pode ficar tão baixo que a navegabilidade fica impossível) serão os beneficiários das informações, dizem os pesquisadores.
“Indiretamente, [com o alerta de previsão de seca] é possível ter uma influência positiva no ecossistema amazônico. Quanto mais os fazendeiros e as comunidades tradicionais planejarem, menos traumática será a interferência do clima“, disse Boers.
Com a seca, vem outra preocupação: o aumento das queimadas, diretamente associadas ao desmatamento ilegal. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em setembro deste ano foram registrados 31.017 focos de calor, o segundo pior setembro em uma década e um aumento de 60% em relação ao mesmo mês do ano passado.
Por ser a Amazônia uma floresta tropical úmida, o fogo não faz parte da dinâmica natural do bioma, como ocorre nas florestas temperadas da costa oeste dos Estados Unidos.
Na Amazônia, os incêndios costumam estar associados à ação humana. E em períodos de seca, os hotspots têm as condições certas para crescer em extensão e causar maiores impactos no ecossistema.
“Existem inúmeras evidências sobre a possibilidade de a floresta se tornar uma savana por meio dos efeitos da ação humana“, disse Boers. “O bioma já está muito próximo do ponto de inflexão .”
Esse efeito em grande escala levaria a um aumento nas emissões de dióxido de carbono na atmosfera, o que aceleraria ainda mais o aquecimento global.
A mensagem subjacente do estudo é que todos os fenômenos naturais estão interligados. E demonstra que à medida que a humanidade persiste no atual modelo econômico de consumo, os efeitos no planeta só vão piorar, a ponto de colocar em risco a maior floresta tropical do mundo e sua rica biodiversidade.
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Fonte: Mongabay
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